Por Clara Days:
Ideias-chave: introspecção ou instinto; entre o autoconhecimento e a compulsão; questiono-me e liberto-me.
A semana adivinha-se contrastada e somos traccionados em direcções contraditórias. De um lado temos a contenção introspectiva do Eremita a pedir que nos foquemos em procurar conhecer melhor cada recanto escondido da nossa alma; mas paira também a energia libertária do Diabo, alheia a qualquer convenção ou obrigação, que nos impele para seguirmos de acordo com o nosso instinto, sem ponderar consequências.
Para onde nos viramos, então? Reflectidamente, para dentro, ou libertando a nossa vontade mais irracional?
Questiono-me sobre se teremos a possibilidade de optar, ou se a vida escolherá por nós. Aquilo que somos e o poder das nossas circunstâncias condicionam a capacidade de cada um para controlar os impulsos do Diabo e activar um Eremita solitário e ponderado. Alguns, tentarão e conseguirão; outros, tentarão, mas falharão; outros, ainda, nem sequer irão tentar. Mas talvez em todos viva a contradição evidente entre estas duas influências.
Quando o Diabo aparece, “é o diabo”: o instinto sobrepõe-se à racionalidade e tendemos a segui-lo, ainda que nos leve por caminhos mais perigosos ou mesmo ínvios. Ele traz consigo a capacidade de arriscar sem limites, traz também a máxima responsabilidade de nos fazer assumir quaisquer consequências das nossas decisões e actos. Na verdade, da intervenção libertária e libertadora do Diabo apenas nós próprios poderemos sair prejudicados, quando nos deixamos escorregar atrás das nossas compulsões e desejos. Ainda que muitas cartas representem uma personagem demoníaca que acorrenta humanos, é um “demónio” que vive dentro de nós, feito dos instintos mais primários, de que somos dotados para nossa própria preservação. Irracional, temerário, empurra-nos para a libertação mais absoluta ou descontrolada.
Já o Eremita convida ao controle reflectido e reflexivo. Paciente, solitário, transporta a luz que ilumina os detalhes, um por um, na viagem interior por onde nos encaminha. Da autoanálise ao autoconhecimento, ele corresponde ao Princípio da Introspecção, o que presume um processo metódico de compreensão, focado e exaustivo. É a filosofia socrática transposta para o Tarot, segundo a qual o autoconhecimento é a base de todo o conhecimento: “conhece-te a ti mesmo e conhecerás o universo e os deuses”, assim terá dito Sócrates, conforme foi transcrito no templo de Delfos, dedicado a Apolo.
Paira ainda no ar a energia de conformismo do Hierofante, patrono das semanas anteriores. Como gerir agora duas forças tão opostas, na semana que entra? Digamos que a vinda do Eremita se poderá considerar uma continuidade da influência do Hierofante, enquanto que a do Diabo é certamente a ruptura com ela, no sentido da transgressão.
Para onde nos dirigimos, então? Será cada um por si, conforme a vida deixe, ou a alma peça: ora virando-se para dentro, de lanterna na mão, ora soltando-se sem rédeas, na mais absoluta liberdade.
Imagem : Zilich Tarot, de Christine Zillich, 2018

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