Por Clara Days:
Palavras-chave: vontade; desapego; partida; controle.
Entramos esta nova semana inspirados pela energia do Carro, representando o Princípio do Desapego. Na linguagem comum, o conceito de “desapego” tem uma conotação negativa, associada a uma personalidade fria, desconectada, insinuando rejeição ou desamor. Pois aqui, no Tarot, temos que entendê-lo numa outra dimensão: como capacidade de sair duma zona de conforto e partir à exploração do mundo, numa jornada solitária.
Uma das formas de organização dos Arcanos Maiores Tarot é a de considerar as 21 cartas numeradas como 3 septenários. O Louco, numerado a zero, fica sempre de fora, como excepção ou protagonista. Neste sentido, o primeiro septenário representa o processo consciente de afirmar-se e criar a própria estrutura pessoal: emocional, mental, energética e prática. Ora o Carro é a última carta da série, e assim será o estádio mais avançado desse processo, em que a pessoa se sente suficientemente forte e autónoma para abandonar um esquema de vida que já não a satisfaz, onde as restrições e as auto-imposições imperam, mas, paradoxalmente, que constitui também uma zona de segurança e protecção. Hoje em dia designamos este esquema de vida como “zona de conforto”, um espaço físico e emocional já conhecido e que não traz surpresas, mas que em última análise nos entrava o desenvolvimento pessoal.
O Carro não representa a revolta contra esse tipo de “status quo”, mas antes (lá voltamos nós) o desapego em relação a ele. É um impulso que vem de dentro, não por oposição ou em conflito com outros, mas que nos faz querer sair do espaço onde temos estado, para partir em busca de novas paragens, sem rumo certo, mas com convicção e controle pessoal.
O Carro é o nome da carta, mas o que nos importa é o seu condutor: fime, determinado, armado, ele vai protegido por aquilo que já aprendeu, confiando que o caminho lhe mostrará, em cada momento, a rota certa para a sua demanda. Essa protecção pode afastá-lo dos outros que cruza na sua jornada, pois representa, no fundo, o receio que tem de que lhe voltem a acontecer situações negativas como as que viveu no passado.
As representações visuais deste arcano são literais e mostram um guerreiro real tomando as rédeas e conduzindo os animais que fazem avançar a sua viatura. Em muitos casos percebe-se que deixou atrás de si uma localidade. Os animais têm aspectos variados, sendo o mais comum os dois cavalos, e frequentemente um branco, o outro preto, ou pelo menos de cores diferentes. Esta dualidade de cor está associada à busca de equilíbrio que a carta propõe, ying e yang, luz e sombra, dia e noite. Em alguns baralhos são quatro ou nem sequer são cavalos, antes animais mitológicos de várias referências culturais. Cada animal olha numa direcção diferente, mas o condutor fá-los seguir em frente. Ele está geralmente armado, como um militar na sua armadura, ou é apresentado coroado, como um nobre ou um vencedor. A sua atitude é de afirmação de vontade e comando.
O Carro está astrologicamente associado a Caranguejo, considerado o signo mais sensível do Zodíaco – o que parece contrariar a sua definição como carta, mas que nos lembra que o caranguejo-animal tem uma carapaça dura que o protege do exterior, dentro da qual está a fragilidade de um organismo sensível. A letra hebraica que lhe corresponde é CHETH ou CHET, a dinâmica do partir e regressar. O número 7 surge recorrentemente associado a contagens com valor simbólico: os sete pecados mortais, os sete céus, os sete dias da semana, as sete cores do arco-íris… Os seus títulos esotéricos: “O Senhor do Triunfo da Luz” ou “O Filho dos Poderes das Águas”.
Eis-nos então na semana do Carro, inspirados para uma atitude de coragem e assertividade, capazes de largar as amarras da nossa zona de conforto e de partir em viagem, seja ela real ou metafórica. É possível que sintamos como que uma iluminação que nos faz ver, de repente, que largar o que nos tem estado a “proteger” fica mais fácil, e o nosso afastamento vem duma necessidade interior que precisa de se manifestar.
Pode até ser que esta transformação não seja muito visível aos olhos dos outros, pois o essencial dela passa-se dentro de nós, numa redefinição das nossas prioridades que nos permite um verdadeiro recomeço, sem nunca nos esquecermos de quem somos, a nossa identidade e os nossos valores.
Peguemos nas rédeas e domemos os cavalos, pois, afinal, nós somos os condutores, só nós sabemos para onde devemos rumar!
Imagem – Tarot Gringonneur ou Charles VI, séc. XV (1455)
Clara Days
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