Por Clara Days:
Palavras-chave: passividade; altruísmo; sacrifício; transcendência.
Hoje, dia de Lua Cheia, aproximamo-nos do fim deste ano como o começámos: com a energia do Dependurado, a pedir paciência e transcendência. Ele vem lembrar-nos de quando as circunstâncias que vivemos não dependem da nossa vontade, nem da nossa acção, e de como precisamos de ser capazes de aceitar isso sem agitação interior, antes dispostos à espera, até que venha um tempo para agir.
Ninguém deve fugir da sua natureza, e essa é a principal amarra que nos deve condicionar e prender na vida. Podemos modificar muito em nós, para nos adaptarmos, para corresponder às exigências da vida ou à dureza de certas circunstâncias, mas a nossa essência, a raiz da nossa personalidade, é o que nos define e a amarra mais forte a que devemos estar presos.
Em circunstâncias adversas, perante a impotência, precisamos de ter a sabedoria de nos imobilizar. Não é uma imobilidade paralisante de animal acossado, antes um acto de vontade, que nos exige a capacidade de transcender os problemas a que não conseguimos responder, numa atitude de sacrifício e devoção. Ficamos suspensos, e a carta do Dependurado representa essa suspensão sofrida que aceitamos assumir. De pernas para o ar, em postura sacrificial, o Dependurado está imóvel e assiste ao desenrolar dos acontecimentos que escapam ao seu controle. Ao mesmo tempo, elevou-se espiritualmente.
No entanto, a sua situação e posição permitem-lhe observar melhor, ver novos ângulos, entender os problemas com mais profundidade. A seu tempo, mais conhecedor, mais sábio, retomará a acção, num patamar mais elevado de consciência. Mas, por agora, apenas espera e assiste.
As imagens das cartas, através dos tempos, mostram-nos um homem suspenso por um pé, na maioria dos casos de um ramo de árvore ou de um pau, parte de uma estrutura rudimentar. O rosto está sereno e não aparenta sofrimento. Está amarrado, muitas vezes com as mãos nas costas, e as pernas formando quase um 4 invertido, uma dobrada e a outra estendida. Em algumas versões, o corpo pode assemelhar-se a uma cruz egípcia, em forma de T invertido, com braços abertos. Há versões, desde a do Tarot Gringonneur do séc XV, que mostram o dependurado com 2 sacos (de dinheiro?) na mão, como que a ser castigado pelo seu apego aos bens materiais. Moedas caem dos seus bolsos, noutras versões.
A suspensão pelo pé foi amplamente executada pelos supliciadores romanos e há testemunhos também de vítimas medievais. Há inúmeras miniaturas dos séculos XIII e XIV com reproduções de santos e mártires pregados pelos pés a uma barra elevada. A Antiguidade deixou, no entanto, testemunhos de figuras invertidas, que não poderiam ser ligadas ao suplício, antes a uma postura ritual. Essa mesma posição é adoptada por divindades assírio-babilónicas, representadas em ancestrais cilindros de argila.
Astrologicamente, o Dependurado está associado a Neptuno, o planeta da irracionalidade e da transcendência. A letra hebraica que lhe corresponde é MEM, a fonte da sabedoria. O número 12 está presente em diversos âmbitos da humanidade, desde os primórdios da civilização. O ano é composto por 12 meses, Hércules teve 12 trabalhos, Jesus Cristo teve 12 Apóstolos, a Távola Redonda do mito arturiano tinha 12 cavaleiros… O número 12 possui fortes significados simbólicos na história, religião, astrologia e magia. Título esotérico do Dependurado: O Espírito das Águas Poderosas.
Teremos a acompanhar-nos, nesta semana de festividades de Inverno, uma energia de contenção voluntária e de transcendência, em relação ao que nos interessa ou aflige, mas que está fora das nossas possibilidades transformar. Não é tempo para conflitos, confrontos ou acção demasiado interventiva. Numa acepção mais espiritual e elevada, pode ser considerado um tempo de paz e paciência.
Será também uma semana em que teremos de aceitar, de algum modo, o sacrifício de transcender o nosso Ego em prol dum bem maior. A nossa passividade virá assim duma escolha consciente, ainda que possa acrescentar um toque de melancolia às festas de partilha. Será tempo para observar e compreender as energias dos outros, procurando entender-lhes o sentido para eventualmente, mais tarde, poder vir a ajudar de um modo diferente e mais reflectido.
Com o Dependurado, teremos oportunidade de nos aperfeiçoar. Poderemos preparar-nos melhor para as futuras decisões, aproveitando este tempo de imobilidade para reflectir e elevar a nossa visão dos problemas e das circunstâncias que vivemos.
Feliz Natal!
Imagem: Tarot Soprafino de Carlo Della Rocca (1835)
Deixe uma Resposta