Por Clara Days:
Palavras-chave: confiança; disponibilidade; espontaneidade; potencial.
O Mundo é a minha casa e eu vou por onde quiser, para onde quiser. Não procuro, encontro.
Tenho pouca bagagem; o que vier, virá por bem. Não tenho vínculos, amarras ou compromissos, apenas este desejo permanente de seguir por aí, porque a vida é bela e, de uma maneira ou de outra, eu tirarei partido.
Sou a eterna criança, deslumbrada com o que encontrar, disponível para aprender. A aprendizagem, no entanto, não trará desconfiança, cinismo ou sobranceria. Será apenas mais uma pena na minha bagagem, leve e solta.
Não sei o que me espera, o meu segredo é não ter receios, nem reservas, antes confiar. O que será, será, entrego-me nas mãos da sorte.
Estarei destinado a encontrar tempestade? Dela sairei, porque depois haverá bonança. Passarei ao lado de perigos, precipícios, escuridão; talvez caia, talvez não. Levantar-me-ei, é a minha crença. E, se não me levantar… logo se verá.
Haja o que houver, haverá uma solução, e essa solução acontecerá, mesmo que eu não a defina.
Pareço ingénuo, mas não sou ingénuo, porque sou princípio e fim, potencial e sabedoria. A verdadeira sabedoria liberta, ensina que as voltas da vida nos encaminham para um novo despojamento, e nos levam de novo à confiança. O fim leva-me ao princípio…
O Louco, Arcano Maior Zero, é a carta única do Tarot, a excepção, o talismã. Diferente, original, está do lado de fora, em sentido contrário. É o protagonista da “viagem” pelos Arcanos Maiores numerados. Diferentes baralhos, afastando-se da definição tradicional, chamam-lhe “O Retorno”, “O Herói”, “Inocência”, “Abertura”, “O Viajante”.
A carta, nos baralhos mais ancestrais, representava um adulto de ar apatetado, o “louco da aldeia”, escarnecido por uns ou acarinhado por outros. Com o tempo passou a surgir como um artista ambulante, ou com vestes de bobo da corte, aquele a quem era permitido transgredir para fazer rir. Há no entanto uma dominante que surge a partir do séc. XVIII, consagrada no célebre Tarot de Marselha, e que desenha um homem com gorro que transporta uma trouxa na ponta de um pau, olhando para cima, acompanhado de um cão; em muitos casos, aproxima-se dum penhasco ou precipício, como se não se tivesse apercebido dele. Recentemente, há uma libertação em relação às representações clássicas e pode ser representado (paradoxalmente) como uma criança, ou como um velho sábio.
O Louco está associado à letra hebraica ALEPH ou ALEF, o paradoxo de Deus e o Homem. O Número Zero apenas foi “descoberto” recentemente, em Matemática; é um ponto neutro que simboliza o tudo e o nada, a origem de todos os outros números. Título esotérico desta carta de Tarot: “O Espírito do Éter”.
Astrologicamente, este Arcano Maior Zero tem duas associações: ao elemento Ar, livre, móvel, que pode pôr em contacto os diferentes mundos e se refere à mente, às trocas e aos contactos. Mas o Louco também é associado a Urano, planeta lento, representante do altruísmo, mas também do inédito, da independência pessoal e da originalidade. Este planeta abre-se ao progresso e ao futuro.
Esta semana começou, exactamente, com um Solstício (de Inverno, no hemisfério Norte, e de Verão, no Sul). Cada um destes dois dias únicos, na viajem anual da Terra em roda do Sol, marca uma viragem: os dias deixam de diminuir e passam a crescer, em relação às noites, ou o contrário. Tanto quanto os Equinócios podem ser considerados pontos de equilíbrio, os Solstícios são pontos de disrupção.
O Louco vem simbolizar o modo como podemos viver essa disrupção, inspirando-nos nesta semana. Ele pede que nos disponibilizemos para a novidade, que tenhamos confiança para percorrer trilhos diferentes, experimentar soluções originais, criativas, “fora da caixa”.
O Louco ajuda-nos a arriscar, pela confiança, não por irresponsabilidade. Dá-nos o alento da crença de que tudo tem condições para correr bem. Acorda em nós a criança interior, a pureza da infância, quando tudo parece possível, ainda que a razão possa dizer que é muito improvável.
O Louco lembra-nos as palavras do poeta:
“Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.”
(Fernando Pessoa, in “Tabacaria”)
Imagem: Tarot Wildwood, de Mark Ryan, John Matthews e Will Worthington, 1996
Clara Days
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