Por Clara Days:
Palavras-chave: potencial; confiança; ingenuidade; autenticidade.
Para o Louco, todos os caminhos podem ser o começo da nova aventura que ele enceta, num eterno renascer. Ele é Zero, tudo e nada, princípio e fim. Representa o potencial absoluto e a confiança na bondade da vida.
Geralmente intitulado de “Louco”, alguns baralhos de Tarot atribuem-lhe designações como “Inocência”, “Retorno”, “Abertura”, “Viajante” ou “Herói”.
É o protagonista, aquele que trilha o caminho do auto-conhecimento e da consciência, onde cada um dos 21 Arcanos Maiores numerados representa patamar, uma etapa. A sua inocência infantil faz com que actue sem medos, preocupações ou preconceitos, disposto a encontrar verdade e alegria em qualquer recanto. Não antecipa dificuldades nem perigos, podendo de facto correr riscos, não por ousadia, antes por total confiança.
O Louco é a criança, no mais nobre sentido da palavra, na capacidade de se deslumbrar e de valorizar qualquer detalhe, sem dividir o mundo e os acontecimentos entre o que é, ou não, relevante. Tudo, para ele, é relevante – tudo é uma descoberta e pode ser conhecimento. O Louco brinca, porque brincar é a maneira mais eficaz e verdadeira de aprender. Parecendo de uma enorme ligeireza, é um modo profundo e determinante que conduz ao verdadeiro conhecimento.
Ele é único e original, não traz bagagem a condicionar-lhe os passos, apenas vontade de viver a vida em pleno. Se tropeça, logo se levanta. Não sofre por antecipação e tem uma enorme reserva de optimismo. É ingénuo e infantil, por isso saem da sua boca as verdades mais simples e mais profundas. É o Louco quem primeiro sabe, quando o rei vai nu…
Os jogos de cartas comuns fizeram desta personagem o Joker, carta-talismã, única e possibilitando sempre uma solução especial, uma excepção. Nos baralhos de Tarot mais antigos ele tem uma representação muito literal, é um adulto apatetado, ridicularizado ou mesmo apedrejado por crianças. A partir do séc. XVII, os baralhos mais conhecidos trazem-nos uma personagem assemelhada à representação visual do bobo da corte, autorizado a dizer ao Rei aquilo que mais ninguém podia. Nas versões mais vulgarizadas, com o seu barrete de borlas ou guizos, o Louco carrega uma trouxa na ponta de um pau – um quase nada de bagagem – e uma rosa branca na mão. Muitas vezes está à beira de um precipício, mas olhando para cima, de tão despreocupado. Junto a ele, um cão, geralmente em interacção com o seu companheiro: ladra na sua direcção, brinca com ele, abocanha-o. Em versões mais recentes, pode aparecer como uma criança, também como fauno, ou como Pã, deus dos bosques, das plantas e dos animais. Aqui ou ali, baralhos diferentes recorrem a símbolos de liberdade como a pomba ou a borboleta, ou de força bruta, como o leão ou o crocodilo.
Astrologicamente, o Louco é Urano, do altruísmo e da imprevisibilidade. Está associado à letra hebraica ALEPH ou ALEF, o paradoxo de Deus e o Homem. O seu número, Zero, é o do potencial absoluto. Título esotérico desta carta: “O Espírito do Éter”.
Nesta semana teremos o Primeiro de Maio, que, muito antes de ser celebrado como Dia do Trabalhador, é uma data relevante da tradição pagã europeia. Representa a plenitude da Primavera, fecunda e expansiva, e opõe-se no calendário às celebrações dos mortos, no primeiro de Novembro. De alguma forma, este Louco representa também a essência vital de uma Primavera, a euforia do princípio dum ciclo que se espera fértil e abundante.
Como adultos conscientes e sensatos, temos a noção de como a vida pode ser difícil e já construímos um sistema de pensamento simplificador, onde há coisas importante e outras que o não são, tudo socialmente hierarquizado. Ora, a inspiração que este Louco nos traz é a da confiança, apesar de tudo. Pede que sejamos capazes de nos libertar de preconceitos e de olhar a nossa realidade numa atitude positiva, procurando beleza e relevância em detalhes que podemos até agora ter desvalorizado. É uma espécie de exercício de humildade, mas também um aligeirar do peso da responsabilidade que nos possa avassalar. Não nos é sugerido uma actuação irresponsável, mas antes que saibamos relativizar, retirando drama e excesso de seriedade à nossa postura.
Aligeiremos o peso que nos carrega a vida. Tentemos o optimismo, mais que não seja como um exercício de confiança. Deixemos para trás o passado e não foquemos demasiado a atenção no futuro. O Louco quer que vivamos o presente, pois é aqui que estamos. O que tiver que ser, será – não adianta sofrer por antecipação.
Um feliz Primeiro de Maio para todos vós!
Imagem: Tarot de Rider-Waite, com desenhos de Pamela Colman Smith, 1910
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