Por Clara Days:
Ideias-chave: estou no grupo, mas sou eu; entre conformação e afirmação; pertença e expansão
Eles vêm a par, mas de lugares distintos, com posturas divergentes. Enquanto um se verga ao peso da tradição que une e dá sentido aos grupos, o outro quer afirmar a sua identidade individual. Como conciliá-los?
O Hierofante fala, antes de mais, de pertença. Representa o cimento que agrega uma comunidade em torno de uma crença, uma tradição, uma cultura. É a ideologia que contém e integra, pedindo a cada um que se conforme e acomode, para em troco receber a segurança da pertença àquele colectivo. Fala também de fé e de sabedoria, pois tem a chave dos segredos sagrados. Se eu for um seguidor, devo acomodar-me, mas pode dar-se o caso de eu ser o próprio hierofante, num dado momento: aí, tenho o poder de ir mais alto e mais longe no que sei, de aprofundar as minhas convicções e cimentá-las melhor, tenho mesmo a hipótese de influenciar outros para que me sigam.
Já o Sol representa o indivíduo, aquele que se afirma por si só, não para os outros. Ilumina em volta porque tem luz própria, não para influenciar. Inspirado pelo Sol, eu tenho força para dizer ao que venho, sem receio do julgamento alheio. Expando-me, sou generoso, sou orgulhoso, para o bem e para o mal. O Sol representa o indivíduo, com amor-próprio e capaz de se mostrar, sem máscaras ou concessões.
Como juntar o Sol com o Hierofante, como associar estas duas energias de sentido contrário, uma francamente individualista, a outra essencialmente gregária? Tendo a ver a coisa pelo seguinte prisma: o Hierofante é aqui sinal dos tempos, das identidades colectivas que precisam de se congregar, quando há um inimigo poderoso que põe em causa o que as une. Entre a pandemia, que não terminou, e uma guerra que tende a globalizar-se, ainda em começo, temos factores de sobra para inspirar a necessidade de congregação de todos aqueles que pensam de uma certa maneira. Mas, desta vez, vem o Sol pedir a cada um que não deixe de ser quem é, que não deixe de pensar pela própria cabeça, de confiar em si, que se firme na autenticidade dos seus propósitos pessoais. Quem se submete a quem?
Perante circunstâncias gerais francamente adversas, o indivíduo pode, em plena consciência e liberdade, sujeitar-se a integrar o colectivo e a seguir as regras duma comunidade que esteja sob ameaça. O Sol pode dar aqui a nota da liberdade individual na opção de cada um em integrar as fileiras do conjunto daqueles que comungam dos mesmos valores, confirmando a sua pertença por opção, não por mera sujeição. Com a autonomia e o poder de afirmação do Sol, posso escolher um lugar entre os fiéis que consagram uma mesma crença e entre eles progredir, para que o cimento que nos une dê sentido à nossa intervenção. Em liberdade…
(Nota: o girassol, flor oficial da Ucrânia, é um dos símbolos mais recorrentes das representações do Arcano XIX. Que isto possa ser um bom augúrio…)
Imagem: Paulina Tarot, de Paulina Cassidy, 2009
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