Por Clara Days:
Ideias-chave: conformo-me ou escolho pelo coração; entre a pertença e o amor; tradição ou paixão.
O que é mais importante para mim: enraizar-me na crença em princípios e valores e segui-los, para integrar a minha comunidade, ou seguir antes a força da atracção afectiva e entregar-me àquilo ou àqueles que amo? Posto assim, parece uma opção clara, mas talvez não seja tão simples como isso. Contudo, será entre estes pólos que me terei de posicionar, na semana que agora entra.
O Hierofante pode ser uma carta de conformismo e aceitação, e geralmente é por estes parâmetros que o consideramos. Temos, no entanto, que nos lembrar que representa o Princípio da Transcendência Espiritual, e nessa medida faz apelo à nossa crença dum modo mais profundo e fundamentado. É o mestre iluminado que nos permite encontrar a nossa dimensão interna de divindade, o nosso mestre interior. Visto por este prisma, elevamos o nosso conceito sobre o seu significado e levamos mais longe o sentido dos valores e princípios que representa: ele é a tradição e a essência da cultura duma comunidade, mas também um desafio pessoal de aprofundamento da nossa crença nesse conjunto de valores intelectuais, morais e espirituais, que fundamenta a pertença ao grupo com quem os partilhamos. Dito doutro modo: não estou condenado a pertencer por mero medo de me sentir isolado, pertenço porque acredito que faz sentido pertencer – e pago o preço de cumprir, por minha escolha.
Este corresponde à quinta etapa da Jornada do Louco peregrino, no seu caminho de consciência. É o seu encontro com a poder da ideologia e da moral dominantes, mas também o ajuda a preencher a necessidade psicológica de encontrar o verdadeiro sentido da vida. Dá-nos a visão do que é transcendente, para além da realidade terrena das etapas anteriores, a Imperatriz e o Imperador, respectivamente terceira e quarta.
Mas desta vez ele vem acompanhado do Arcano Maior que representa a etapa que lhe sucede, a sexta: os Enamorados, representando o Princípio da Polaridade, que na acepção comum vem associado à ideia da dicotomia masculino-feminino. Ao entrar neste momento da sua jornada, o Louco peregrino encontra o Outro, que mora fora de si, lhe é diverso e contrastante, e por isso mesmo o atrai, na procura de se completar.
É sempre simplista considerar que a carta dos Enamorados representa o amor romântico: ela vai muito mais longe. Esta noção de Outro, de alteridade, não precisa de ser uma pessoa, sequer. Pode ser uma ideia, uma carreira, um sonho que queremos perseguir. É aquilo a que estamos dispostos a entregar-nos por paixão, em sentido lato. Todos nós já sentimos a força dessa atracçção, que nos faz encontrar um eco de nós fora de nós, mas um eco de sentido contrário, ou diferente, que nos valida na sua diversidade e nos torna mais inteiros. Mas curiosamente, na representação das cartas mais tradicionais, as personagens que compõem a figura da carta são três, não apenas duas: além do casal primordial, há um mediador, ou mediadora – anjo, cupido ou mesmo casamenteira – que introduz, incentiva ou facilita a interacção dos dois principais.
Esta semana teremos, pois, duas dominantes com características muito diferentes, a que podemos aderir: o Hierofante, encontro com a nossa dimensão interior de divindade, com a nossa versão mais profunda e fundamentada, ou os Enamorados, encontro com um outro, exterior, pessoa ou ideia, que pela sua diversidade nos atrai e complementa. Até que ponto seremos capazes de fazer dum desses encontros uma escolha consciente e um avanço na nossa vida, aí é que estará a questão.
Imagem : Oriens Tarot, de Ambi Sun, 2021
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